quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O endeusamento de Steve Jobs e a escravidão tecnológica

O exagero com que a revista VEJA trata a pessoa e o legado de Steve Jobs em sua edição de 12/10 o qualifica quase como um Deus da humanidade, ou o homem mais importante que já surgiu no planeta. É evidente e incontestável o grande valor de suas criações para o cotidiano da vida na terra, mas o endeusamento de sua figura revela o quanto o frenesi tecnológico vem transformando milhões de pessoas numa espécie de escravos do mundo digital, como se tudo que importa fazer em nossa existência é ficar em frente a uma telinha em tempo quase integral, dando cliques em mouses ou passando o dedo em interfaces deslizantes. Será que o mundo real está com os dias contados e no futuro deixará de existir? Isso seria o fim da nossa individualidade e do livre arbítrio? São perguntas que devemos nos fazer.

A frase de Steve Jobs que serve de título para a matéria de VEJA ("Quero deixar uma marca no universo") é de uma pretensão ridícula, e mostra até que ponto a megalomania o levou. VEJA acompanha o delírio, e o editor Fábio Altman diz que as criações da Apple "inventaram o século XXI". O artigo de Leander Kahney, editor de um blog de culto quase religioso a Jobs (Cult of Mac) acompanha a adoração, dizendo que "os produtos de Steve Jobs tiveram tanto impacto em nossa cultura quanto o telefone e o carro. O mundo seria um lugar mais pobre sem as invenções dele". Ora, se Graham Bell não tivesse inaugurado a ligação telefônica em 1892 ainda estaríamos nos comunicando por sinais de fumaça? Se Henry Ford não tivesse lançado o Ford T em 1908 ainda estaríamos andando em carroças? Evidente que não. Outros certamente teriam feito o que eles fizeram. E o mesmo se aplica em relação a Jobs. Ninguém é Deus.

Outro subproduto preocupante trazido pela sacralização da tecnologia é a exclusão social. Quem não vive plugado é como se não pertencesse ao mundo. Porém, na verdade, o número de pessoas que não utilizam ou sequer conhecem os recursos tecnológicos é bem maior do que aqueles que os usam, levando-se em conta que há mais de 6 bilhões de pessoas no planeta, e a grande maioria não tem dinheiro para entrar na dança dos chips. É uma questão perturbadora: será que no futuro teremos categorias diferentes de seres humanos? Os discípulos do Grande Irmão de Orwell manterão afastados e sob constante vigilância os desafortunados digitais, tratando-os como raça inferior?

Será mesmo necessário que para sermos cidadãos completos tenhamos que ter iPod, iPhone, iPad, PC, notebook, monitor no carro, Internet no telefone, Pendrive, conta no facebook e no twitter e o que mais nos induzem a possuir
a todo momento? Será que precisamos mesmo, por exemplo, de aparelhos como o recém-lançado iPhone 4S, que tem comando de voz que lhe dá ordens como "você tem uma reunião amanhã às 2 da tarde", "é hora de levantar", ou responde perguntas como "onde acho uma pizzaria"? O aparelho mal foi lançado e já tem gente esperando ansiosamente pelo próximo, o iPhone 5, que deverá incorporar uma ou outra "novidade" a mais, e fará com que milhares de pessoas passem a noite na porta de lojas, a espera do lançamento, para depois sair de lá rindo e com cara de bobos, como se fossem crianças que acabaram de ganhar um sorvete...

Os avanços e benefícios obtidos através da tecnologia na ciência, na medicina, na economia, na produção industrial, na engenharia, na agricultura, e, enfim, em todos os campos de trabalho, são insubstituíveis e fizeram a humanidade dar um salto evolutivo gigantesco nas últimas décadas. Mas incorporar tudo isso à vida pessoal em tempo integral é que é o grande perigo. Pode nos levar a ficarmos escravos das máquinas. Se elas assumirem o comando de tudo, o que não parece nada absurdo pelo ritmo em que as coisas andam, estaremos perdidos. Emoções e sentimentos desaparecerão, e os seres humanos irão se transformar em meros corpos sem alma.

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